Os contratos de concessão e ppp’s e seus impactos administrativos [1]
Cyro Mariquito Furtado[2]
Após décadas de pouca disponibilidade fiscal para a realização de investimentos públicos em infraestrutura de logística, o Brasil aparenta ter depositado suas esperanças no influxo de capitais oriundos do setor privado viabilizado por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPP’s). Assim, o modelo de investimos públicos diretos, na forma de contratos “DB” (design and build), tem dado lugar a arranjos mais complexos, porém mais eficientes, como os contratos “DBFOM” (design, build, finance, operation and maintain).
A nomenclatura dos arranjos contratuais supramencionada é parte da linguagem internacionalmente utilizada para se referir a estes tipos contratuais[3], mas que no Brasil podem ser facilmente associadas aos regimes jurídicos estabelecidos pela antiga Lei nº 8.666/1993 e atual Lei nº 14.133/2021, quanto aos contratos “DB”, e pelas leis nº 8.987/99 e 11.079/2004, quanto aos contratos “DBFOM”.
Há diversos fatores pelos quais pode-se explicar a exsurgência do modelo “DBFOM”, mas destaca-se a possibilidade de realizar grandes investimentos em infraestrutura pública com menos comprometimento de recursos públicos e com menos assunção de riscos pelo estado.
O modelo ainda se propõe a viabilizar uma apropriação da eficiência decorrente da gestão privada pela sociedade e estado. Em tese, ao assumir um controle mais amplo sobre o projeto, o setor privado pode gerenciar os riscos de forma mais eficaz ao longo de todo o ciclo de vida da infraestrutura, viabilizando um mecanismo de estímulos que entrega eficiência.
Em contrapartida, é um regime de maior complexidade, uma vez que seu modelo econômico-financeiro está envolto em considerável grau de assimetria de informações, incertezas e subjetividades, já que muitas de suas variáveis são lastreadas em previsões futuras sujeitas ao acaso.
Como complicadores tem-se que estes empreendimentos implicam alocação volumosa de recursos e prazos contratuais muito longos, potencializando riscos e problemas a pós-contratuais. Estas questões podem levar o projeto ao insucesso, com a ocorrência de litígios, baixo desempenho de execução, paralisações do serviço ou falência do concessionário[4].
A reboque do movimento, são notáveis a necessária adaptação e o rearranjo das estruturas burocráticas brasileiras ao modelo de contratação “DBFOM”. Em verdade, o contexto desafia um corpo técnico-burocrático altamente qualificado e especializado para que o projeto possa ser bem estruturado e, posteriormente, fiscalizado de modo que possa entregar valor à sociedade.
Quanto às mudanças no âmbito normativo, foi preciso estabelecer um regime jurídico adequado que permitisse ao Estado se retirar da execução direta dos investimentos e serviços para passar a atuar no âmbito regulatório e de fiscalização dos parceiros privados. São exemplos dessa dimensão, a edição das Leis nº 8.987/1999 e nº 11.079/2004, a criação das agências reguladoras (ANTT, ANAC e ANTAC) e de empresas estruturadoras de projetos (INFRA SA).
Essa alteração no perfil de atuação estatal, por certo, gerou ociosidade ou obsolescência das estruturas administrativas até então existentes, que tiveram que ser extintas ou adaptadas à nova realidade. Asim há exemplos de extinção, caso da RFFSA, ou de sensível redução do escopo, caso da INFRAERO.
Neste panorama, é de se imaginar que também a forma de controle e auditoria teve que se adaptar, afinal o funcionamento, os riscos e os graus de subjetividade envoltos no modelo “DBFON” tornam inaplicáveis os parâmetros e formas de auditoria tradicionalmente utilizados ao clássico modelo “DB”.
O TCU acompanhou a mudança com qualificação e especialização de seu corpo técnico, bem como a retomada da forma de atuação prévia que estava em desuso desde o ano de 1967[5]. Com isso, a Corte adquiriu notável protagonismo no contexto das concessões e parcerias público-privadas, desempenhando um papel crucial na fiscalização e na garantia da legalidade, qualidade, eficiência e transparência desses empreendimentos, influenciando-os.
Com efeito, as peculiaridades, especialidades e complexidades destes arranjos talvez justifiquem a retomada do controle prévio, mas a prática também atrai discussões sobre sua eficácia e impacto na implementação dos projetos, sem prejuízo dos questionamentos jurídico-doutrinários sobre seu cabimento.
Há acadêmicos[6] que defendem a legalidade do controle ex ante e ainda elencam benefícios como a mitigação de riscos e assimetria de informações, a prevenção de alocação ineficiente de recursos e de ineficiências estruturais, com a diminuição dos problemas que seriam transferidos para a fase contratual.
Já outros[7] entendem que o regime constitucional vigente não permite tal tipo de atuação, bem como que esta apresenta alguns prejuízos como a perda de autonomia do administrador, a morosidade e ineficiência do projeto e, por fim, o risco de o controlador externo virar “administrador em condomínio” com o desaparecimento da “posição crítica”.
De toda sorte, é possível fazer um paralelo da evolução do controle quanto à auditoria e fiscalização dos contratos “DB” – que se iniciou nas formas ex ante e ex post, mas se consolidou apenas com a ex post – com a evolução já ocorrida na história recente dos casos dos contratos “DBFOM” – que se iniciou e se mantém com controles ex ante e ex post, mas que sofreu significativa mudança na modalidade ex ante com a edição da IN nº 81/2018-TCU.
No caso dos contratos “DB”, o controle prévio como regra perdeu espaço em razão da extraordinária expansão das funções estatais ocorridas na segunda metade do século passado. O alto volume de atividade administrativa e o risco de impasses decorrentes de conflitos de visão entre gestor e controlador tornaram a manutenção daquela atuação inadequada, senão inviável ou ineficiente[8].
Com o aumento da ocorrência de contratos no regime “DBFOM”, percebe-se que também o controle ex ante já teve que passar por adaptações para ganhar eficiência. Para tanto, o TCU editou a IN nº 81/2018 e revogou as IN’s nº 27/1998, 46/2004 e 52/2007, no intuito de racionalizar a fiscalização. A mudança essencial consistiu no “fim dos múltiplos estágios de acompanhamento dos processos de privatização”, porque considerou-se que “a análise em etapas passou a agregar cada vez menos valor aos referidos processos”[9].
Talvez um exemplo do problema possa ser o caso da BR-381, cuja iniciativa de passá-la ao regime de concessão se iniciou ainda no ano de 2008 e não se concretizou até o presente momento. Muito se deve à morosidade de maturação do modelo econômico financeiro, com muitas idas e vindas entre a Administração e o Controle Externo, bem como ao rigor da modelagem que não se mostrou atrativa ao mercado, já com três licitações frustradas em 2013, 2022 e 2023[10].
Como se vê, o regime de concessões e PPP’s apresenta prós e contras, sendo certo que a sua utilização desencadeou importantes mudanças legais e estruturais na Administração Pública brasileira, estando em curso um processo de constante evolução. Importante aspecto do movimento reside na atuação do Tribunal de Contas da União, que retomou a prática de controle prévio em caráter ordinário. Impõe-se a reflexão de que embora fundamental para garantir a legalidade, transparência e qualidade dos empreendimentos, é necessário um equilíbrio que permita conciliar a tutela do interesse público com a agilidade e a flexibilidade necessárias ao desenvolvimento do setor analisado.
[1] Artigo elaborado como requisito parcial de aprovação na matéria “Contratações Públicas em Movimento”, ministrada pelo professor Guilherme Jardim Jurksaitis.
[2] Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2012). Pós-graduado em Direito Privado e em Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes/RJ (2014). Mestrando em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas/SP (2023/2025).
[3] The PPP Certification Guide. < https://ppp-certification.com/pppguide/brazilian-portuguese > Acesso em 20/04/2024.
[4] AMARAL NETO, João Veríssimo do. O Controle Externo dos Tribunais de Contas nas Concessões de Serviços Públicos. Dissertação (Mestrado em Direito). UFPE, 2011.
[5] SUNDFELD, Carlos Ari et al. Contratações Públicas e Seu Controle. Cap. 7: Competências e Controles dos Tribunais de Contas – Possibilidades e Limites. Malheiros Editores, 2013.
[6] AMARAL NETO, João Veríssimo do. Op. Cit.
[7] SUNDFELD, Carlos Ari et al. Op. Cit.
[8] Ibid.
[9] TCU esclarece sobre prazo para início da vigência da nova regra para análise de concessões. < https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-esclarece-sobre-prazo-para-inicio-da-vigencia-da-nova-regra-para-analise-de-concessoes.htm > Acesso em 20/04/2024.
[10] Alto custo, risco a investidores, fatores geológicos: por que o Leilão da rodovia BR-381 não avança. < https://www.gazetadopovo.com.br/brasil/alto-custo-risco-para-investidores-fatores-geologicos-por-que-o-leilao-da-br-381-nao-avanca/ > Acesso em 20/04/2024.
[1] Artigo elaborado como requisito parcial de aprovação na matéria “Contratações Públicas em Movimento”, ministrada pelo professor Guilherme Jardim Jurksaitis.