Por João Carlos, diretor da VELLENT e especialista na implantação de projetos de infraestrutura.
Para quem é do setor e acompanha os processos de Concessão, podemos ver coisas curiosas em cada novo leilão de infraestrutura. Para mim, que converso com muitas pessoas do setor, cada hora chega uma notícia mais assustadora que a outra: “Fulano ganhou, mas errou o CAPEX.” “Por esse preço não faz. Nós estudamos muito e sabemos que não fazem.”
E para cada notícia nova, vamos atrás das informações e constatamos que em 99% dos casos, é verdade, mas por que isso acontece? Simples, a busca incessante por uma TIR (Taxa Interna de Retorno) atrativa aos investidores.
Recentemente participei de uma mesa redonda durante a semana de engenharia civil de uma universidade federal, onde participavam mais dois engenheiros civis como convidados e um número bacana de alunos. O tema, transportes!
Iniciei minha fala intuitivamente, informando aos participantes que nos últimos 15 anos aquela era a primeira vez que eu participava de uma conversa apenas com engenheiros, nos últimos anos todos os nossos trabalhos sempre envolveram advogados e recentemente, economistas.
Isso porquê nos processos de modelagem de negócios de infraestrutura, tão ou mais importante que o CAPEX e o OPEX, há segurança jurídica onde os advogados são imprescindíveis.
Ademais, para se “vender” a um investidor a atratividade do projeto, o que é visto e discutido sempre é a TIR prevista do projeto. Neste ponto que entram os economistas, normalmente jovens com boa formação no Brasil e/ou no exterior, profundos conhecedores de Excel e verdadeiros estruturadores de Planos de Negócios.
Cenário explanado, vamos aos fatos:
- TIR é mandatária. Muitas vezes o investidor define seu valor e estabelece que por percentual menor aplica seu dinheiro em outro negócio – custo de oportunidade;
- Questões jurídicas são intocáveis. Nenhum investidor corre riscos aqui;
- Sobrou o CAPEX e o OPEX para “se brincar.”
É assim que funciona, economistas e engenheiros vão criando simulações de valores para ambas as contas, variando os riscos inerentes ao negócio.
Às vezes, superestimam as receitas, mas geralmente reduzem o CAPEX e o OPEX com ideias mirabolantes. São riscos fáceis de justificar aos investidores que, em sua grande maioria não entendem de implantação de CAPEX, contudo, podem entender muito bem do OPEX, face a sua natureza.
Nos primórdios dos processos de concessão se “errava” pouco no CAPEX, porque o objetivo dos investidores, empresas de construção, era o lucro nas obras. Hoje, sem as empresas de construção como investidores, vemos fundos de investimentos, operadores setoriais e bancos como novos investidores.
Sendo assim, ao ganharem o negócio, hoje em dias repletos de investimentos em obras, esses novos concessionários partem para a viabilização de seus negócios, com uma visão simples e míope: transferência do risco do CAPEX para as empresas contratadas.
Ora, isso nunca acontece. O risco é sempre do investidor. É dele a responsabilidade de prazo junto ao Poder Concedente e do início de geração de receitas. É dele a responsabilidade pela qualidade do investimento para garantia do OPEX, e é dele o risco do valor a ser investido para o cumprimento do plano de negócios e obtenção da TIR.
Ganhamos o negócio e agora, como fazer as obras? Agora que vem a cereja do bolo, as grandes ideias!
A primeira e mais nobre delas: vamos contratar um executivo de uma grande construtora e pronto, resolvido! É como se uma andorinha só, fizesse o verão. No final, a estrutura desse investidor estará inchada e pouco produtiva, pois não se obtém os mesmos resultados como se fosse uma construtora.
A segunda e mais comum: contratar as construtoras por contratos a preços globais, com o risco 100% delas ou previamente definidos a cada um. Aqui podemos ter contratos de Aliança, TurnK Key Lump Sun, Empreitada por Preço Global, Empreitada com cláusulas de Back to Back e, por fim, CM at Risk.
Já vi e vivi vários modelos de contratos, veja Minha história com contratos de obras de infraestrutura [clique aqui para ler este artigo], e posso garantir, nenhum construtor assume 100% dos riscos de uma obra. Vou citar um caso antigo para fugir das situações recentes vividas.
Nos idos de 1990 houve uma obra de uma UHE contratada com o setor privado a preço global. 100% do risco com a construtora, inclusive o risco geológico. O que aconteceu? A presença de uma fenda geológica impossível de se prever, o que acarretou um aumento de custo significativo para o projeto.
Discussão daqui, discussão dali, aciona seguro, não aciona seguro, contratou-se um “Engegado” (Engenheiro-Advogado), um dos primeiros a fazer trabalhos de gestão contratual. Com ele aprendemos, a “construção do direito” na área de gestão contratual montadas então em todas as empresas de construção.
Ao final, utilizou-se a “Teoria da imprevisibilidade” e o cliente pagou a conta, essa ganhada na justiça!
Em casos recentes, estamos vendo grupos concessionários contratando “salvadores da pátria” a peso de ouro, outras montando times com valores muito baixos, competência e experiência compatíveis aos valores pagos. Em outros casos pior, contratando pedreiros, carpinteiros, armadores e serventes, para que elas mesmo façam as obras.
Por fim, adotam contratos de construção com a pseudo transferência dos riscos, mas todos esses contratos com cláusula de Disput Board e Arbitragem. Prudente, pois vão precisar.
E a TIR? Após a ocorrência dos riscos e aumento dos custos, voltam os advogados e arrumam uma forma de empurrar essa conta para o Poder Concedente e depois, para o usuário. Inúmeros casos desses podem ser contados. Só com agências de controle fortes e autônomas é que teremos uma mudança de modus operandi, tenho a solução? Não, mas muito podemos ajudar a minimizar os prejuízos que virão ao certo.